sexta-feira, 6 de junho de 2014

Resposta à indignação de colega ultrajada...

A médica ginecologista e obstetra, Halana Faria, membro do Gemas e mestranda na Faculdade de Saúde Pública - USP, nos brinda com este belo e claríssimo texto, em resposta a uma mensagem indignada de colega, que se sente injustiçada pelo movimento contra a violência obstétrica e pelo parto respeitoso. Boa leitura!

"Oi, colega!
Também conheço essa realidade como obstetra. Flexibilização de gestão (OSS sem nenhum controle por parte do Estado), problemas de financimanto para o SUS, descompromisso de gestores para com a saúde da população. 


Mas o que está em crise é um modelo de atenção reproduzido pelos médicos obstetras e também por grande parte da enfermagem obstétrica. A origem desse modelo pode não ser nossa culpa, já que data do século XVIII, mas sua perpetuação se deve sim, na minha opinião, à dificuldade de uma categoria que não sabe dividir responsabilidades, que relega o bem estar emocional da paciente a segundo plano e que acredita estar acima de qualquer suspeita por ter feito um juramento hipocrático.

Entendo que você tente fazer o que está a seu alcance, a crítica muitas vezes é realmente genérica demais, e você tem razão, mas não dá mais para suportar a violência que as mulheres sofrem (que aliás ocorre esteja o pré-parto lotado ou não...).

Os procedimentos incabíveis (fonte pesquisa Nascer no Brasil - Fiocruz - recentemente divulgada, que entrevistou mais de 23.000 mulheres no país no setor público e privado) - 90% de litotomia (parto completamente deitada, quando conhecemos o benefício de posições verticais que conferem autonomia à mulher), 70% tiveram veia puncionada rotineiramente, só 30% se alimentou durante o trabalho de parto, 56% sofreram episiotomia (mutilação genital realizada para conforto médico), 37% tiveram sua barriga esmada por uma manobra chamada kristeler realizada para "ajudar" o bebe a nascer por conta da pressa da instituição, só 46% tiveram liberdade para se movimentar... sendo que só 15% dos partos foram atendidos por enfermeira obstétrica.

Você acha realmente que o problema é a lotação das maternidades? Por que, ao receber mulheres parindo depois de peregrinarem, elas continuam sofrendo todas essas violações? 

Se a categoria sente-se acuada, é porque realmente tem feito muito pouco para mudar essa realidade. Tem se posicionado contrariamente à inserção da enfermagem obstétrica e obstetrizes na assistência, fato que no mundo inteiro contribuiu para a redução de intervenções desnecessárias, tem se posicionado contrariamente às casas de parto já existentes no país, que funcionam com ótimos resultados, tem perseguido colegas que ousam sair da matrix... enfim, politicamente, a categoria médica só tem feito defender seus próprios interesses.

Agora, sobre o que tem feito a universidade para mudar a formação de nossos jovens obstetras, te deixo um exemplo e talvez inspiração de projeto conduzido pela colega Melania Amorim, professora na Universidade de Campina Grande, dentro de uma maternidade escola, pública, que atende 500 partos/mês (veja que até banheira de parto eles conseguiram improvisar) e o exemplo do Sofia Feldman, em BH.
 

Abraço!
Halana"


https://www.youtube.com/watch?v=T_c9FwVlVw4

https://www.youtube.com/watch?v=P8w-C-DTXGk

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