Texto de Halana Faria de Aguiar Andrezzo
A história da saúde da
mulher é a história de um sucesso de “vendas” calcada em sua “tragédia
biológica”. Ainda menina, na primeira menstruação, que tende a ser irregular
nos primeiros anos, se consultar um ginecologista, pouco provavelmente sairá de
seu consultório sem um contraceptivo oral. Aprenderá desde cedo que a pílula
minimizará os efeitos da TPM e que tomada sem pausa ainda a poupará da
menstruação. Fará ultrassons e mamografias regularmente. Ao primeiro sinal da
menopausa terá a oportunidade mais uma vez de receber a prescrição de uma
reposição.
Não estranha portanto,
que novamente com a vacina contra o HPV, seja
testada em NOSSO corpo, a introdução de nova tecnologia. Apesar de
festejada por gestores, profissionais de saúde e grupos de defesa dos direitos
das mulheres, aparentemente não há ainda motivos para tanta euforia.
Sabemos que o HPV está
implicado em 95% dos casos de câncer (sendo 70% destes causados pelos subtipos
16 e 18). Há ainda mais de 100 subtipos de vírus e sua transmissão é pela via sexual em
relações hetero e não-heterossexuais. Até os 30 anos a maioria das mulheres
sexualmente ativas terão sido infectadas por algum subtipo viral. Na grande
maioria das vezes nosso sistema imune dará conta de resolver a situação e
quando não der o vírus poderá causar alterações celulares (observáveis
microscopicamente na lâmina da coleta do papanicolaou) que podem levar mais de
10 anos para se transformar em um câncer de colo.
A melhor maneira que
temos de nos proteger dessa doença, é com a realização regular do preventivo ou
papanicolaou (entre os 21 e 65 anos), e a recomendação atual é que depois de
dois resultados normais, o exame seja realizado a cada 3 anos (1). Deve-se
lembrar ainda, que realizados inapropriadamente, mesmo os exames de rastreio,
podem ter efeito negativo sobre nossa saúde. No caso do preventivo pode haver
sobrediagnóstico, levando a biópsias, ansiedade e tratamentos desnecessários.
O rastreio com preventivo
pode reduzir a mortalidade por câncer de colo em 80% (2) mas ainda não sabemos
que efeito a vacina contra o HPV pode ter sobre a mortalidade ou mesmo sobre a
incidência de casos de câncer de colo. O que os estudos demonstraram até agora
é que ela diminui os casos de lesões pré-malignas/tratáveis (NICII e
III) associadas aos subtipos 16 e 18. Precisaríamos de pelo menos 10 a 20 anos
para demonstrar o efeito que essa vacina teria sobre a incidência da doença e
sobre a mortalidade que causa. O que também não está claro é como se comportam
as lesões associadas aos demais subtipos virais com a vacinação.
Uma outra questão
importante diz respeito ao marcador de desigualdade da doença. Mulheres pobres
morrem mais de câncer de colo. Sua vulnerabilidade social as afasta dos
serviços de saúde, suas necessidades de sobreviver antecedem suas necessidades
de auto-cuidado. O que garante que essas mulheres buscarão a vacina nos centros
de saúde? Será diferente o impacto que tem as propagandas e apelos para a
realização do preventivo e o “marketing” da vacinação?
A vacina também tem
enfrentado controvérsias em outros países e o caso espanhol é peculiar. A
epidemiologia do vírus na Espanha parece ser diferente: menos de 30% dos casos
de câncer podem ser atribuíveis aos subtipos 16 e 18, e mesmo assim a vacina
foi introduzida no calendário vacinal. Já há uma iniciativa popular organizada
que chama-se Associação das Afetadas pela Vacina contra o HPV http://aavp.es/. No sítio da AAVP pode-se ler os
relatos do que as mulheres acreditam sejam efeitos colaterais da vacina, entre
eles repetidos casos neurológicos descritos como fadiga crônica.
O Japão retirou a vacina
do seu calendário oficial após não obter resposta do fabricante da vacina para
a seguinte demanda: introduzir na bula, informação sobre sua possível
neurotoxicidade.
Mais impressionante é que
sem que haja qualquer explicação, Merck (MSD) e GlaxoSmithKline (GSK),
fabricantes das duas vacinas disponíveis no mercado, foram eximidas da
necessidade de apresentear estudos da fase IV pelo FDA. Estudo conduzido depois que o medicamento recebeu
aprovação para comercialização que visa avaliar segurança, tolerância e
eficácia de longo prazo.
As meninas brasileiras já
estão sendo vacinadas, a não ser que seus pais encaminhem à escola termo de
recusa informada. Mas onde os pais estão sendo realmente informados? Será essa informação parcial?
Um dos encaminhamentos do
Seminário em comemoração aos 30 anos do PAISM foi que essa discussão seja
levada às instâncias de Controle Social do Município com o objetivo de
questionar, informar e cobrar esclarecimentos sobre as inúmeras dúvidas
levantadas na ocasião. Entendemos ser urgente e função da sociedade fazer
frente à pressão que a lucrativa indústria farmacêutica impõe aos gestores,
profissionais e cidadadãs(ãos) de nosso pais.
1 - Moyer
Va. Ann Intern Med 2012; 156: 880-91.
2 - Ault KA. J Natl Cancer Inst 2011; 103:
1352-3.
Halana Faria de Aguiar Andrezzo
Médica Ginecologista e Obstetra
Mestranda Faculdade de Saúde Pública /USP
Texto escrito com intuito informativo a
partir das apresentações e discussão no Seminário: A Saúde da Mulher na
Saúde Pública – 30 anos do PAISM, realizado no dia 13/3/2014 na Faculdade
de Saúde Pública.